terça-feira, 1 de outubro de 2019

O discurso por trás do discurso na ONU

Foi assunto notório na semana passada, e ainda é, o discurso do presidente brasileiro na ONU, principalmente sobre a forma como a questão indígena foi tratada pelo mesmo, inclusive dedicando a maior parte do seu discurso a isso. 

O discurso está abaixo. 


Alguns pontos, chamam a atenção neste discurso e nós comentaremos eles rapidamente

1 - Não é de se espantar que de cara um dado já esteja errado neste discurso. Quando o presidente afirma que 14% das terras brasileiras estão protegidas, ele comete um erro de dado, já que, segundo dados da FUNAI, nem se somarmos todos os percentuais de terras homologadas e em estudos chegaremos aos 14% do território brasileiro. Você pode até nos acusar de preciosismo, mas uma imprecisão vinda de um representante máximo da nação que "comanda" inclusive o órgão responsável por produzir o dado dito em seu discurso não pode e não deve passar desapercebido. 

2 - Nem vamos nos alongar na parte do "à beira do socialismo", pois este nunca existiu em lugar algum além do papel. Se você discorda, compare os países ditos socialistas, inclusive a URSS e veja se o "socialismo" deles era o mesmo, ou até mesmo compare com o dito socialismo de mercado chinês. O que se teve por aí foram apropriações da ideologia socialista, deturpadas de acordo com os interesses de cada governo que o "adotou". Dizer que um país esteve à beira do socialismo faz tanto sentido quanto nazismo de esquerda... 

3 - Atacar líderes de outros países, direta ou indiretamente, atacar a ONU e trazer uma indígena sem representatividade alguma para legitimar a destruição da Floresta Amazônica é de fazer qualquer agricultor e minerador vibrar de alegria. Isso sem falar do ataque direto ao cacique Raoni que dedicou praticamente a sua vida inteira em defesa da Floresta Amazônica, chamando o mesmo de monopolizador. Monopolizador  do quê? Dá vontade dos indígenas de manter a floresta em pé? Ou da vontade da população brasileira de não explorar a floresta como mostrou uma pesquisa?

4 - É de se observar que o discurso do presidente nos remonta à ditadura militar e seu discurso "integrar para não entregar", onde se pregava a exploração econômica da Amazônia para que outros países não a façam por nós e invadam nosso território. 
Algo que soa mais ou menos como "A Amazônia é nossa, então devemos explorá-la ao máximo, pois, senão, outros virão e farão isso em nosso lugar". Mas, aí vem outra questão, cadê a tal bradada soberania brasileira na hora de defender que os tais interesses internacionais se apossem da Amazônia? Em que esfera a destruição da floresta por motivos puramente econômicos significa a demonstração de nossa soberania sobre o lugar? Voltamos aos tempos de colônia onde forçavam nosso domínio através da exploração? É de uma mentalidade colonialista invejável... 


5 - Como se isso não fosse pouco, ainda tenta pifiamente legitimar o seu discurso levando a tiracolo uma indígena (Ysani Kalapalo) cuja representatividade é zero, já que não representa nem o pensamento de sua própria tribo, os Kalapalo, que aliás vivem no território do XIngu, enquanto ela vive em São Paulo (algo que mostra bastante conexão com sua terra natal e o quanto ela está alinhada ao pensamento de sua tribo); algo que pode ser visto em carta aberta assinada por mais de 10 tribos indígenas, inclusive a tribo dela, discordando veementemente do discurso do presidente na ONU.

6 - Isso sem contar a tentativa de desmerecer o cacique Raoni, que tem décadas de sua vida dedicada a preservação da floresta amazônica, assumindo assim um papel de representatividade e liderança no combate a exploração ilegal e desenfreada da floresta amazônica, sendo figura internacionalmente conhecida e de representatividade ímpar. Desmerecer o cacique e acusá-lo de monopolizador é tentar desqualificar anos de luta em favor da floresta e dos povos que precisam dela "em pé" para sobreviverem, que a tratam com respeito e têm muito a ensinar ao "homem branco" sobre a preservação da floresta. 

São atitudes como essa que explicam os recordes negativos que a Floresta Amazônica vem batendo nos últimos meses, que tentam legitimar discursos infundados de que o país preserva suas florestas mais do que os outros (comparação que jamais deve ser feita, salvo as guardadas proporcionalidades entre pontos de comparação, algo que jamais foi ponderado em comparação feita pelo presidente ou qualquer um dos seus), também explicam o aumento recorde de invasão de terras indígenas, mas também mostram a fragilidade de um discurso que se baseia no radicalismo, esbanjando palavras agressivas, mas de conteúdos profundos como um pires. 

Algo que pode ser notado de maneira simples, neste mesmo episódio, ao observarmos que o discurso abaixo, foi atacado desta maneira


  

Quando não se tem ideias concretas, quando o discurso proferido é baseado no radicalismo e o conhecimento é raso, o resultado não pode ser mais vexaminoso. Pior ainda é ver um adulto usar de mentiras para desqualificar uma criança, que ao que parece, entende muito mais sobre a questão climática global do que quem a atacou. Atitude covarde, mas que expressa bem como a opinião neste governo é calcada: usando ataques pessoais e inverídicos ao invés de uma argumentação embasada no diálogo e na troca de conhecimento. 

Não à toa uns ganham o Nobel alternativo da paz e outros...   

Para encerrar, gostaríamos de dividir a utopia de um discurso que, certamente, jamais será proferido pelo atual presidente na ONU, mas esperamos e torcemos para que um dia, alguém seja capaz de fazê-lo como representante máximo de nosso país. 

O discurso é esse aqui.  


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