Segundo a reportagem abaixo há mais imóveis vazios do que pessoas sem moradia em São Paulo. A notícia é tão absurda quanto estarrecedora; mesmo que relevássemos que alguns desses imóveis poderiam estar em período de troca de um dono para outro, tal questão poderia ser no mínimo parcialmente solucionada.
Não é de hoje que observamos, não só em São Paulo como pelo país todo, que o número de ocupações em prédios abandonados tem aumentado e que sempre que isso acontece a reintegração de posse desses prédios completamente inutilizados é feita com a mesma rapidez que a polícia é mandada lá para retirar os ocupantes desses prédios, onde muita das vezes o faz com truculência.
Assim, o que muitos veem como um ato de vandalismo, pode e deve ser visto como um ato de luta por um direito básico: o direito a moradia, e que é constantemente negado à eles. E causa ainda mais revolta saber que sob as circunstâncias da notícia abaixo, esse direito ainda continua a lhes ser negado.
Vendo notícias como essa é que percebemos que o problema da habitação não só em São Paulo como no país poder ser resolvida de uma forma bem mais rápida do que a que tramita atualmente, mas para isso acontecer é preciso que se resolva o maior problema de todos: vontade política.
O número de domicílios vagos na cidade de São Paulo seria suficiente para resolver o atual déficit de moradia. E ainda sobrariam casas. Existem, na capital, cerca de 290 mil imóveis que não são habitados, segundo dados preliminares do Censo 2010. Atualmente, 130 mil famílias não têm onde morar, de acordo com a Secretaria Municipal de Habitação – quem vive em habitações irregulares ou precárias, como favelas ou cortiços, não entra nessa conta.
Os recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) encontraram 3.933.448 domicílios residenciais na capital, onde vivem 11.244.369 pessoas. “Foram contabilizadas 107 mil casas fechadas, que são aquelas em que alguém vive lá e não foi encontrado para responder ao questionário”, explicou a coordenadora técnica do Censo, Rosemary Utida. Já as 290 mil residências classificadas como vazias não têm moradores, diz Rosemary.
O Censo de 2000 já mostrava que a capital tinha mais casas vazias do que gente precisando de um lugar para morar, segundo a urbanista Raquel Rolnik, relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito à moradia adequada e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. “Em 2000, tínhamos cerca de 420 mil domicílios vagos para um déficit de 203 mil moradias. Era quase o dobro”, afirma Raquel.
O secretário municipal de Habitação, Ricardo Pereira Leite, discorda dessa conta. “Se desse para resolver o problema só distribuindo as casas para quem não tem onde morar, seríamos os primeiros a propor isso”, afirma. Segundo Leite, o número revelado pelo Censo diz respeito à vacância de equilíbrio, o tempo em que um imóvel fica vazio enquanto é negociado.
A relatora da ONU avalia que, mesmo que parte desses imóveis precisasse passar por reforma antes de ser destinado à moradia popular, seria possível, pelo menos, reduzir o número de famílias sem-teto. Um dos maiores entraves para a solução do problema, porém, é o preço do solo. “A moradia tem, como função principal, ser um ativo financeiro, e acaba não desempenhando sua função social”, diz a professora da FAU.
Segundo ela, o poder público poderia investir não só na construção de casa, mas em subsídio de aluguel. “Infelizmente temos uma inércia e uma continuidade muito grande nessa área. As políticas públicas não tiveram, ainda, força para provar que o pobre não precisa morar longe, onde não há cidade, aumentando os deslocamentos na cidade”, opina Raquel.
O direito de morar no centro da cidade, onde há maior oferta de trabalho e de transportes públicos, é uma das bandeiras da Frente de Luta por Moradia (FLM), que ocupou quatro prédios abandonados do centro com cerca de 2.080 famílias em 3 de outubro. Como a Justiça determinou a reintegração de posse de dois desses imóveis, parte dos sem-teto está vivendo na calçada da Câmara.
“Os imóveis vazios identificados pelo Censo resolveriam pelo menos 40% do nosso problema”, afirma Osmar Borges, coordenador-geral da FLM. Segundo ele, falta moradia para cerca de 800 mil famílias na cidade. “Falta uma política de habitação que contemple os domicílios vazios. O IPTU progressivo deveria ser usado para forçar o preço a cair”, diz. Borges afirmou que a FLM pretende se reunir hoje com a Superintendência de Habitação Popular da Prefeitura e amanhã com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU).
Extraído de cartacapital.com.br
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