Pois é, como se já não bastasse praticamente devastar o cerrado e avançar sobre a amazônia o agronegócio agora pretende se apoderar, leia-se destruir, de um dos rios mais importantes não só para nós mas para três outros países: o rio Paraguai.
O agronegócio pretende utilizar o rio como rota de escoamento, o que implicaria em obras de dragagem que alterariam os ciclos de vazantes e de cheias modificando até mesmo a dinâmica do bioma pantaneiro.
Como se já não bastasse o governo pretende liberar licenças para a construção de PCNs (pequenas centrais hidrelétricas) na ordem das centenas, o que causaria mais um impacto ao rio e ao bioma pantaneiro. O pior é que são mais de 100 PCNs, mas que juntas não produzirão mais do que 2% da energia nacional. Mesmo que o impacto gerado por uma PCN seja pequeno, estamos falando não de uma mas de centenas, então é certo que o impacto será grande.
E a lista de prejuízos não para, pois com a implementação do agronegócio ao longo dos rios, da utilização do mesmo como via intensa de navegação, inclusive comportando navios de grande calado e da construção de PCNs é fato que o assoreamento do rio, a contaminação do leito e do lençol freático por agrotóxicos, a alteração de seu ciclo de vazantes e cheias serão apenas a ponta do iceberg de problemas ambientais que poderão surgir com a realização de tudo o que se pretende para o rio.
No momento as obras, graças a Deus, estão embargadas, mas em um país onde o dinheiro fala mais alto e a corrupção nem se fala, para isso sair do embargo não custa muito...
O rio Paraguai é um gigante que percorre quatro países. Ele nasce no Centro-Oeste brasileiro, no Médio-Norte matogrossense, e depois segue pela Bolívia, Paraguai e Argentina. Mas é justamente no começo do rio, na sua porção brasileira, que está a maior ameaça tanto a sua própria integridade quanto a de um dos biomas mais ricos e bonitos conhecidos pela humanidade: o Pantanal.
A expansão do agronegócio (que já domina o norte amazônico do Mato Grosso), uma hidrovia e mais 126 empreendimentos hidrelétricos podem comprometer a qualidade do rio e provocar alterações no pulso de cheias e secas no Pantanal. Os danos ambientais ainda não foram corretamente calculados porque, segundo pesquisadores, o governo concede apenas licenças individuais para as obras, sem analisar a integridade do bioma. “Não temos um estudo que fale dos impactos para o conjunto de empreendimentos, por isso estamos solicitando aos órgãos gestores a suspensão de todas as licenças já concedidas até que outro estudo mais completo seja realizado”, diz Debora Calheiros, pesquisadora da Embrapa e doutora em limnologia (ciência que estuda rios e lagos interiores).
Apesar de os empreendimentos serem, em sua maioria, as chamadas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), cujo impacto ambiental é considerado baixo, não se sabe o efeito de sua aplicação em larga escala. “São vários pequenos reservatórios num mesmo rio, com pouca distância entre eles. No final, o impacto é semelhante ao de um grande reservatório, alterando o fluxo de água e o pulso de inundação. Além do mais, as PCHs represam nutrientes e materiais em suspensão que são importantíssimos para o funcionamento ecológico da planície pantaneira, ou seja: mudam também a qualidade da água”, diz Calheiros.
Segundo Dorival Junior, doutor da Universidade Federal de Mato Grosso, especialista em hidrelétricas, o boom de empreendimentos deste tipo no Brasil acontece por conta de um modelo de negócio extremamente favorável ao empresário. “Praticamente não há riscos. Através de um leilão o empreendedor consegue um contrato para cerca de 30 anos, sendo que na maioria dos casos o empreendimento se paga nos cinco primeiros anos, o resto é apenas fluxo de caixa”, explica Dorival.
A estimativa dos especialistas é de que, juntos, os 126 empreendimentos no rio Paraguai não correspondam a nem 2% da energia gerada no país. Mesmo assim o Ministério de Minas e Energia não pretende abrir mão deles. Em nota o ministério afirma que a energia gerada na região é importante e estratégica para o país.
A hidrovia e o agronegócio
Além das hidrelétricas, outros dois fatores pressionam a integridade do rio Paraguai: uma hidrovia e a expansão do agronegócio na região. “O desmatamento e a forma de produção impactam o rio. Assoreamento e insumos como agrotóxicos descem por ele e se distribuem pelo sistema de áreas alagáveis do Pantanal, contaminando as águas e causando prejuízos ao estilo de vida das populações tradicionais”, diz Solange Ikeda, doutora em biologia da Universidade do estado de Mato Grosso (Unemat).
Outro ponto é o antigo projeto da hidrovia Paraguai-Paraná. Hoje já circulam embarcações decommodities pelo rio, mas o projeto quer fazer modificações em seu leito a fim de possibilitar que embarcações com mais de três toneladas façam o trajeto 24 horas por dia. “A construção do porto visa escoar produção o ano inteiro. Isso implica em manutenção com dragagem em vários pontos em seu leito, pois, na seca, o nível é baixo”, afirma Ikeda.
A luta pela integridade do rio é antiga. No dia 14 de novembro de 2000 o governo Federal preparava uma audiência publica em Cáceres (MT) para a instalação da hidrovia, mas a reunião acabou virando uma grande manifestação popular. O projeto foi embargado nessa época por conta de intervenção da sociedade civil junto ao Ministério Público (MP) e a data acabou virando símbolo de resistência. Todos os anos desde então é celebrado o Dia do Rio Paraguai.
Na última celebração foi discutido um comitê formado por membros dos países banhados pelo rio. “Acho que o Comitê de Bacia Hidrográfica é um grande instrumento de articulação, definição de políticas e defesa do Rio Paraguai. Se for atuante, pode evitar a ocorrência de vários impactos e, principalmente, dizer qual a vocação do Rio, definindo quais atividades podem ou não ser desenvolvidas”, diz André Luis de Almeida, promotor de justiça de Cáceres.
Mas enquanto o comitê não sai, as empresas de navegação continuam a solicitar obras de dragagem e articulam com o Governo Federal a construção da hidrovia. Apesar das sinalizações contrárias e da decisão da justiça de embargar a obra, o projeto figura na última lista do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC2) com um investimento de R$ 126 milhões.
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