Esse assunto já vem sendo debatido há séculos e, embora algumas premissas andaram esbarrando em questões não pensadas por seus formuladores (não é, Malthus?) a questão da segurança alimentar sempre vem dando suas caras, por motivos cada vez mais recorrentes...
Os anos se passaram, a tecnologia evoluiu, a população cresceu (junto com a ganância), a exploração dos solos também; só os recursos hídricos foram diminuindo.
Hoje em dia, apesar de sermos o "celeiro do mundo" nossa produção já dá sinais de futuro cambaleamento e o preço dos alimentos já começa a subir... Com isso, a segurança alimentar, não só a nossa mas, a do mundo, que já não anda lá essas coisas, tende a ficar cada vez mais ameaçada...
Das terras e dos recursos hídricos sumariamente explorados começam a surgir sinais de que a escassez alimentícia será, cada vez mais frequentemente, pauta na geopolítica mundial.
Enquanto alguns poucos fazem a sua parte e pregam o uso sustentável (a agroecologia) outros muitos ainda exploram solo e a água de forma descontrolada; não é a toa que mais de 50% do consumo de água do mundo é destinado a agricultura...
Como se ainda fosse pouco a questão dos agrotóxicos é mais um ponto contra, pois danifica corpos hídricos; o que acaba por ser um tiro no pé dos próprios agricultores.
Como se não bastasse, ainda tem a tentação, no nosso caso, do plantar para enriquecer ao invés de plantar para alimentar... Eu explico...
A comida que chega na sua mesa não vem dos grandes proprietários, vem dos pequenos.
Com a onda do etanol e do biocombustível, muitos pequenos agricultores deixaram de plantar o alimento nosso de cada dia e passaram a optar pela cana de açúcar porque rende mais dinheiro... Não estou fazendo aqui uma crítica aos pequenos proprietários, só estou querendo mostrar que essa situação também põe em risco a nossa segurança alimentar...
O ponto é: do jeito que os cultivos foram feitos ao longo dos anos, principalmente depois da revolução verde que até trouxe novas tecnologias que permitiram produzir mais do que antes utilizando o mesmo espaço mas, causaram um impacto maior ainda nos solos e nos recursos hídricos, de forma descontrolada e extremamente impactante, torna-se urgente uma modificação; a agroecologia é uma opção que se apresenta, contudo, será que os grandes proprietários e as gigantes do ramo estão dispostos a adotá-la?
Ou será que vamos esperar a crise de alimentos se tornar crítica, com o perdão da redundância, para que algo realmente seja feito?
O mundo transita de uma era de abundância de alimentos para uma de escassez. Na última década, as reservas mundiais de grãos diminuíram um terço. Os preços internacionais dos alimentos cresceram mais que o dobro, disparando uma febre pela terra e dando lugar a uma nova geopolítica alimentar. Os alimentos são o novo petróleo. A terra é o novo ouro.
Esta nova era se caracteriza pela carestia dos alimentos e pela propagação da fome. Do lado da demanda, o aumento demográfico, uma crescente prosperidade e a conversão de alimentos em combustível para automóveis se combinam para elevar o consumo a um grau sem precedentes.
Do lado da oferta, a extrema erosão do solo, o aumento da escassez hídrica e temperaturas cada vez mais altas fazem com que seja mais difícil expandir a produção. A menos que se possa reverter essas tendências, os preços dos alimentos continuarão subindo e a fome continuará se espalhando, derrubando o atual sistema social.
É possível reverter essas tendências a tempo? Ou os alimentos são o elo frágil da civilização do começo do século 21, em boa parte como o foi em civilizações anteriores, cujos vestígios arqueológicos agora são estudados?
Essa redução no fornecimento de alimentos no mundo contrasta drasticamente com a segunda metade do século 20, quando os problemas dominantes na agricultura eram a superprodução, os enormes excedentes de grãos e o acesso aos mercados por parte dos exportadores desses produtos.
Nesse tempo, o mundo tinha duas reservas estratégicas: grandes sobras de grãos (com uma quantidade no lixo ao começar a nova colheita) e ampla superfície de terras de cultivo não utilizadas, no contexto de programas agrícolas norte-americanos para evitar superprodução. Quando as colheitas mundiais eram boas, os Estados Unidos faziam com que mais terras estivessem ociosas. Quando eram inferiores ao esperado, voltava a colocar as terras para produzirem.
A capacidade de produção excessiva foi usada para manter a estabilidade nos mercados mundiais de grãos. As grandes reservas de grãos amortizavam a escassez de cultivos no planeta. Quando a monção não chegou à Índia em 1965, por exemplo, os Estados Unidos enviaram um quinto de sua colheita de trigo para esse país, para evitar uma fome de potencial catastrófico. E graças às abundantes reservas, isto teve pouco impacto sobre o preço mundial dos grãos.
Ao começar este período de abundância alimentar, o mundo tinha 2,5 bilhões de pessoas. Atualmente tem sete bilhões.
Entre 1950 e 2000, houve ocasionais altas no preço dos grãos, devido a eventos como uma seca severa na Rússia ou uma intensa onda de calor no Meio-Oeste norte-americano. Mas seus efeitos sobre o preço tiveram vida curta. No prazo de um ano as coisas voltaram à normalidade. A combinação de reservas abundantes e terras de cultivo ociosas converteu esse período em um dos quais houve maior segurança alimentar na história.
Contudo, isso não duraria. Em 1986, o constante aumento da demanda mundial de grãos e o custo orçamentário inaceitavelmente alto levaram à eliminação do programa norte-americano de reservas de terras agrícolas.
Atualmente, os Estados Unidos têm algumas terras ociosas no contexto de seu Programa de Reserva para a Conservação, mas são solos muito suscetíveis à erosão. Acabaram-se os dias em que havia terras com potencial produtivo prontas para serem cultivadas rapidamente em caso de necessidade.
Agora o mundo vive com o olhar voltado apenas para o ano seguinte, sempre esperando produzir o suficiente para cobrir o aumento da demanda. Os agricultores de todas as partes realizam enormes esforços para acompanhar esse acelerado crescimento da demanda, mas têm dificuldades para consegui-lo.
A escassez de alimentos conspirou contra civilizações anteriores. As dos sumérios e maias foram apenas duas das muitas cujo declínio, aparentemente, se deveu à incursão por um caminho agrícola que era ambientalmente insustentável.
No caso dos sumérios, o aumento da salinidade do solo em consequência de um defeito em seu sistema de irrigação, que a não ser por isso estava bem planejado, acabou devastando seu sistema alimentar e, por fim, sua civilização. Quanto aos maias, a erosão do solo foi uma das chaves de seu desmoronamento, como o foi para tantas outras civilizações antigas.
A nossa também está nesse caminho. Mas, ao contrário dos sumérios, o que a agricultura moderna sofre é o aumento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera. E, como os maias, também está manejando mal a terra e gerando perdas sem precedentes de solo a partir da erosão.
Atualmente, também enfrentamos tendências mais novas, como o esgotamento dos aquíferos, a paralisação dos rendimentos dos grãos nos países mais avançados do ponto de vista agrícola e o aumento da temperatura. Neste contexto, não surpreende que a Organização das Nações Unidas (ONU) informe que agora os preços dos alimentos duplicaram em relação ao período 2002-2004.
Para a maioria dos cidadãos dos Estados Unidos, que gasta, em média, 9% de sua renda em alimentos, este não é o maior problema. Mas, para os consumidores que gastam entre 50% e 70% de sua renda com comida, duplicar os preços é um assunto muito sério.
Estreitamente ligada à redução das reservas de grãos e ao aumento do preço dos alimentos está a propagação da fome. Nas últimas décadas do século passado, o número de famintos no mundo caiu, chegando a 792 milhões em 1997. Depois começou a aumentar, chegando a um bilhão. Lamentavelmente, se as coisas continuam sendo feitas como de costume, as filas dos famintos continuarão crescendo.
O resultado é que para os agricultores do mundo está ficando cada vez mais difícil ajustar a produção à crescente demanda por grãos. As existências mundiais de grãos diminuíram há uma década e não foi possível recompô-las. Se isso não for feito, a previsão é que, com a próxima má colheita, os alimentos encareçam, a fome se intensifique e se propaguem os distúrbios vinculados à alimentação.
O mundo está entrando em uma era de escassez alimentar crônica, que leva a uma intensa competição pelo controle da terra e dos recursos hídricos. Em outras palavras, está começando uma nova geopolítica dos alimentos. Envolverde/IPS
* Lester Brown preside o Earth Policy Institute e é autor de Full Planet, Empty Plates: The New Geopolitics of Food Scarcity (Planeta Cheio, Pratos Vazios: a Nova Geopolítica da Escassez Alimentar), W.W. Norton: Outubro de 2012.
Artigo publicado originalmente no Envolverde
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