Na reportagem abaixo Marcio Pochmann defende que não há uma nova classe média se formando, mas sim um novo ramo dentro dela. O mesmo também é defensor de que a ascensão dos trabalhadores está com seus dias contados...
Seus argumentos nos convidam a pensar sobre essas questões e achei conveniente colocar aqui para refletirmos sobre e quem sabe construirmos um debate acerca de tais questões.
Seus argumentos nos convidam a pensar sobre essas questões e achei conveniente colocar aqui para refletirmos sobre e quem sabe construirmos um debate acerca de tais questões.
CartaCapital: O senhor fala que há um despreparo das
instituições democráticas para canalizar os interesses da nova classe
trabalhadora. Por quê?
Marcio Pochmann: Estamos observando uma
despolitização nesta ascensão social no País. Ela vem envolvida nos
valores do mercado, e não poderia ser diferente. Foi assim nos anos 70.
Naquela época, havia uma ação mais direta das instituições, o que nós
não estamos vendo hoje.
Há um despreparo das instituições para lidar com esse segmento que,
possivelmente, liderará o processo político brasileiro. De alguma forma,
esse segmento conduzirá a política brasileira. Seja pela direita, seja
pela esquerda.
Os sindicatos, associações de bairro e partidos políticos estão
observando esse avanço social que não se traduz em aumento das filiações
nos sindicatos, nas associações de bairros, nos partidos políticos.
Veja que cerca de 1 milhão de jovens ingressaram na universidade
através do Prouni. Isso é uma ascensão na universidade, mas se traduziu
na ampliação e reforço do movimento estudantil? A gente não observa
isso.
Acontece a mesma coisa em relação aos leitores. Houve um avanço de
mais de 40 milhões de leitores no Brasil, mas a ampliação da mídia
escrita não se traduziu nesse mesmo sentido.
CC: Há uma explicação para isso?
MP: As instituições democráticas não entenderam
ainda o que tem sido essa mobilidade social. Como nós temos pouco
conhecimento, não temos uma ação mais identificada. Os sindicatos acabam
sendo mais defensores do passado que protagonistas do futuro porque não
conseguem criar um diálogo com esse segmento. É um desafio evidente
para todos nós.
CC: O senhor fala que a classe trabalhadora é consumista. Isso é necessariamente ruim?
MP: Não, é um movimento natural que ocorre quando
você não tem a politização, consegue um emprego e tem a elevação da sua
renda. Você entende como sendo resultado do seu esforço individual
quando, na verdade, nós sabemos que a geração e a elevação da renda
dependeram de um acordo político, de uma decisão política, de um
resultado eleitoral.
Portanto, o que eu quero chamar a atenção é que essa manifestação que
se observa de forma mais clara é natural do ponto de vista da
individualidade de cada um. Mas se não vem acompanhada de um processo de
conscientização, essa ascensão pode ao mesmo tempo retroagir ou ser
encaminhada para uma visão de sociedade muito diferente da que levou a
uma ascensão social recente.
CC: Porque as pessoas identificam a ascensão como resultado do próprio esforço individual…
MP: Esse é o papel da politização, até porque você
percebe que as coisas foram feitas com esses segmentos. Eles são
favoráveis ao crescimento, ao emprego e assim por diante. Mas na questão
dos valores mais amplos da política, como pena de morte, eles
majoritariamente estão atrelados a visões muito ultrapassadas.
CC: A maior parte dos empregos gerados foi com rendimento
próximo a um salário mínimo. Como o governo pode gerar empregos com
melhor remuneração?
MP: Primeiro quero dizer que foi muito bom ter
gerado esses empregos acompanhados da formalização e do aumento do
salário mínimo, tendo em vista o estoque de desempregados que nós
tínhamos. Nos anos 2000 eram praticamente 12 milhões de pessoas
desempregadas. Se o Brasil não gerasse esse tipo de oportunidade, se
gerasse empregos de classe média, que exigem maior escolaridade, esse
segmento que ascendeu não teria ascendido. Mas esse movimento está
apresentando sinais de esgotamento. Porque a questão fundamental neste
momento é a ampliação dos investimentos para aumentar a capacidade
produtiva. E o aumento de investimento, novas fábricas, novos avanços da
produção vêm acompanhados de inovação tecnológica, maior exigência de
qualificação, maior demanda de trabalhadores com escolaridade, portanto
maiores salários e ocupações melhores.
CC: No livro, o senhor diz que as pessoas que acenderam
socialmente nos últimos anos não podem ser consideradas de uma nova
classe média. Por quê?
MP: Uma classe média tem ocupações diferentes dessas
que foram geradas. Se fossem vinculadas a bancários, professores ou
dirigentes de empresas, possivelmente nós poderíamos associar isso a
classe média, mas não foram essas ocupações que deram razão a essa
mobilidade social.
No caso brasileiro, parcelas significativas das ocupações não são
geradas pela indústria, mas sim por serviços. Por isso, entendemos que
são novos segmentos no interior da classe trabalhadora. A classe média
tradicionalmente tem uma estrutura muito diferente desses segmentos
novos que surgiram no Brasil. Ela tem mais gastos com educação e com
saúde. O peso da alimentação é muito menor do que o que se identifica
nesse segmento de renda de até 1,5 ou 2 salários mínimos mensais.
Ao mesmo tempo, a classe média poupa, não gasta tudo que ganha. Nela,
a elevação da renda não se traduz necessariamente na elevação do
consumo. Especialmente porque os bens que mais têm sido dinamizados no
país, como eletrodomésticos, são bens que a classe média já possui.
Então a classe média poupa. E isso é uma diferença que nós não
identificamos nos segmentos agora em ascensão.
A classe média tem ativos e patrimônio. São várias características
que infelizmente nós não conseguimos observar nesses segmentos que estão
ascendendo. E são segmentos que, ao nosso modo de ver, dizem respeito à
classe trabalhadora, tal como foi o padrão de expansão do Brasil nesses
últimos dez anos.
CC: Essas particularidades mudam, alguma forma o foco das políticas voltadas a essa parcela da população?
MP: Esse debate, de como se identifica essa ascensão
social no Brasil, tem implicações evidentes no posicionamento do Estado
brasileiro, das políticas públicas. Se nós identificarmos essa ascensão
como um movimento vinculado à classe média, certamente o papel do
Estado estaria ligado à difusão dos serviços privados, por intermédio de
subsídios, como através do Imposto de Renda, que subsidia gastos do
setor privado da classe média. Hoje é possível descontar despesas de
educação, saúde e previdência privada. São interesses diferentes da
classe trabalhadora, que são por bens públicos de interesse coletivo:
saúde pública, educação pública, transporte público.
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