O artigo abaixo da revista Carta Capital ilustra o crescimento na produção de veículos pelos países emergentes, principalmente os da Ásia e o Brasil e a estagnação dos chamados mercados maduros: o norte-americano e o europeu. Apesar de traçar brilhantemente este panorama, ficam perguntas no ar: Onde serão colocados todos estes carros produzidos ? Há espaço para todos eles ? E a poluição que eles causam ?
Perguntas essas cujas respostas causam aflição a humanidade, muito por conta das consequências desse crescimento de produção de carros, mas que em contra partida parece não importar (óbvio) aqueles que ganham rios de dinheiro degradando e poluindo...
No ano passado, a China assumiu o posto de principal fabricante de veículo do mundo. E até o fim da década, o Brasil será o terceiro maior mercado
Dois mil e nove. A China assume pela primeira vez o posto de maior produtor mundial de veí-culos, à frente dos Estados Unidos e do Japão. Um ano mais tarde, o Brasil passa a Alemanha e se torna o quarto maior mercado mundial de veículos. A crise financeira, que comprometeu o consumo nos países ricos, pode ter contribuído, mas não fez mais do que antecipar a realidade que deve imperar nas próximas décadas. Cada vez mais, as montadoras voltam seus olhos para o Oriente e para as economias em desenvolvimento. Eles serão os grandes produtores e consumidores de carros do século XXI.
A velocidade com que a produção se desloca para novos mercados impressiona. Na virada do século, a China montava pouco mais de 2 milhões de automóveis por ano, um quinto da produção norte-americana e um sexto da japonesa. Em 2009, menos de dez anos depois, os chineses viram sua produção crescer quase sete vezes, para 13,8 milhões de veículos – 73% mais que a do Japão e 141% mais que a dos Estados Unidos.
Nesse mesmo período, os principais fabricantes de veículos – Estados Unidos, Japão e Alemanha – passaram a produzir menos ou, na melhor das hipóteses, tiveram de se conformar com a estagnação.
Os norte-americanos, que no início dos anos 2000 colocavam 12,8 -milhões- de automóveis novos no mercado ao ano, viram sua produção encolher a menos da metade. No ano passado, foram apenas 5,7 milhões. Já o Japão viu seu número cair 21,7%, de 10,1 milhões para 7,9 milhões de veículos. A Alemanha, que se saiu um pouco melhor, também esteve longe de se destacar. Sua produção em 2009, estimada em 5,2 milhões de unidades, foi apenas um pouco menor do que a registrada em 2000, ao redor de 5,5 milhões.
Em parte, a queda pode ser atribuída à crise econômica, que deprimiu a demanda nos países ricos. Em 2009, os consumidores norte-americanos licenciaram 35,6% menos carros novos do que em 2007, ano que antecedeu o estouro da bolha financeira. No mesmo período, a produção caiu quase pela metade, e as grandes montadoras, sob a ameaça de falência, tiveram de ser socorridas pelo governo.
Passado o pior da tempestade, o setor vive a perspectiva de recuperação. Até 2014, prevê a consultoria Pricewater-houseCoopers (PWC), a produção de veículos dos Estados Unidos deve crescer, aproximadamente, 80% em relação aos patamares do ano passado. Japão e Alemanha, que sofreram menos com a crise, devem experimentar uma expansão próxima de 15% e 18%, respectivamente. Apesar disso, em nenhum desses países a produção vai alcançar os picos registrados ao longo da década passada. “O que teremos daqui para frente é uma estagnação nos mercados maduros e forte crescimento nos emergentes”, afirma Marcelo Cioffi, sócio da PWC.
Cioffi afirma que a mudança vai ficar ainda mais evidente a partir de 2012, quando a produção de carros nos países em desenvolvimento deverá superar o total fabricado nas nações ricas. No ano passado, os “mercados maduros” montaram 30,1 milhões de automóveis, cerca de 4 milhões a mais do que os emergentes. Em dois anos, prevê a PWC, o quadro deverá se inverter: as economias industrializadas deverão colocar 38,4 milhões de novas unidades no mercado, ante 39,6 milhões dos emergentes. “A partir de então, a tendência é que a distância apenas cresça”, espera Cioffi.
Cada vez mais, o crescimento da indústria automobilística global será puxado pelos países em desenvolvimento. Dos quase 16 milhões de novos carros que serão acrescidos à produção mundial global até 2015, na comparação com o patamar de 2008, cerca de 13 milhões serão montados nos chamados BRIC. O grupo, que em 2008 respondia por apenas 21% da produção mundial, verá sua fatia crescer para 32% em cinco anos. Apenas a China deverá responder por 49% do crescimento da produção mundial acumulada entre 2008 e 2015. Índia com 16%, Brasil com 8%, Tailândia com 5% e Irã com 2% completam a lista.
Se nos países ricos a produção de automóveis terá cada vez mais o objetivo de repor parte da frota existente, nas economias em desenvolvimento ainda há muito mercado a se conquistar. Nos Estados Unidos, por exemplo, a frota de veículos supera a barreira dos 250 milhões, o equivalente a 1,2 unidade por habitante – um padrão de consumo semelhante ao europeu. Na China, estimativas sugerem haver não mais que 38 milhões de veículos, um para cada 35 habitantes. No ritmo em que a produção cresce, os chineses poderão ampliar sua frota para impressionantes (e assustadores) 300 milhões de veículos em menos de duas décadas.
Com o crescimento da demanda rumo à Ásia e o aumento das pressões ambientalistas nos países ricos, a indústria automobilística passa por um processo de forte transformação. Seja por fatores econômicos, ambientais, políticos ou tecnológicos, a tendência aponta para a busca cada vez maior por veículos leves, eficientes e baratos. A Ford estima que participação dos carros pequenos nas vendas globais deve chegar a 61% em 2013. São produtos montados para famílias na China, na Índia e no Brasil que estão comprando seus primeiros veículos. Mesmo nos Estados Unidos, país mais afeito a carros pesados, como caminhonetes e utilitários esportivos, os veículos pequenos devem responder por 36% das vendas até 2013. Em 2000, sua participação não passava de 15%.
O cenário também é de forte expansão no Brasil. Embora seus números não sejam comparáveis aos da China, o País pode terminar a década como o terceiro maior mercado consumidor de automóveis. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), temos um carro para cada sete habitantes. Ficamos distantes não apenas das economias avançadas, mas também de países como México, que possui um carro para cada quatro habitantes, e a Argentina, onde a relação é um para cinco.
Para alcançar o patamar do México, o Brasil precisaria acrescentar, aproximadamente, mais 20 milhões de carros à sua frota, atualmente próxima de 30 milhões. “Mais do que uma demanda aquecida, o Brasil possui uma demanda reprimida”, afirma André Beer, consultor da Beer Consult & Associados. “O automóvel está no topo da lista de bens duráveis do consumidor brasileiro. Depois da casa própria, é o que ele mais deseja.”
Impulsionadas pelo crescimento da renda, combinada com a expansão do crédito, as montadoras batem seguidos recordes de vendas. O número de automóveis leves licenciados mais do que dobrou ao longo da última década. Na mesma trilha, a produção, que havia crescido apenas 17% nos anos 80 e 90, foi multiplicada por duas e chegou à casa dos 2,57 milhões de unidades em 2009.
Como resultado, a receita em dólar e a participação da indústria automobilística na economia bateram recorde em 2009. Ao todo, as montadoras faturaram 62,2 bilhões de dólares, o equivalente a 19,8% do Produto Interno Bruto (PIB) – em 1999, o segmento respondia por apenas 13,3% das riquezas do País. Os investimentos também alcançaram patamares inéditos. A indústria investiu 2,9 bilhões de dólares, em 2008, e 2,51 bilhões no ano passado – os dois melhores resultados da série histórica. Trata-se de uma expressiva recuperação em relação ao período entre 2002 e 2004, quando a média dos investimentos anuais ficou abaixo dos 800 milhões de dólares – o menor nível desde o fim da década de 1980.
A Anfavea acredita que a produção automobilística brasileira deve fechar o ano com crescimento de 6,5%, um volume próximo de 3,4 milhões de unidades. Só a produção de veículos leves, que fechou 2009 em 2,8 milhões de unidades, deve atingir 3,9 milhões em 2015 – um crescimento de 40% – prevê a Price. Outras estimativas apostam em crescimento médio anual próximo de 5% até o fim da década. Sob qualquer perspectiva, as projeções são sempre otimistas. “O setor vive uma fase excepcional. Mantivemos o crescimento mesmo enquanto outros países amargavam a crise”, afirma Beer.
O consultor, veterano executivo do setor, afirma que as políticas de incentivo ao consumo, como a redução da cobrança do IPI sobre o preço dos veículos, tiveram um papel importante durante a crise. Pondera, no entanto, que o fim do benefício, em abril desde ano, não comprometeu o ímpeto do mercado. “As promoções, o lançamento de novos modelos, a queda dos custos e o alongamento nos prazos de financiamento permitiram que o mercado se mantivesse aquecido.”
De olho no potencial de crescimento, as montadoras recentemente anunciaram vultosos planos de investimento. A previsão é de que os desembolsos totalizem 11,2 bilhões de dólares até 2012. O mercado brasileiro chama a atenção até mesmo das montadoras asiáticas. A Chery, principal indústria chinesa do setor, anunciou investimentos de 700 milhões de dólares na construção de uma fábrica em Jacareí, no interior de São Paulo, com o objetivo de montar carros compactos.
Apesar disso, especialistas alertam que a produção pode não crescer no mesmo ritmo da demanda. “É muito provável que a oferta cresça num ritmo mais lento. A indústria automobilística é formada por atores globais que avaliam o investimento sob a ótica do retorno ao acionista. Dessa forma, eles podem priorizar o investimento onde há mais escala”, explica Cioffi. O consultor observa que, mesmo sendo atualmente o quarto maior consumidor, o Brasil é apenas o sexto produtor. “É uma situação que causa estranheza e deveria gerar mais preocupação.”
Osmar Sanches, economista da corretora Lafis, chama ainda a atenção para o fato de que o segmento de autopeças investe menos do que as montadoras, o que impõe um limite ao crescimento. “A expectativa é de que, mais protegidas com o fim do redutor de 40% na alíquota de importação, as empresas do setor se sintam mais estimuladas a investir”, afirma. As montadoras, por outro lado, reclamaram da medida, anunciada em maio. A maior dificuldade em importar componentes, sustentam, pode tirar a competitividade de alguns carros produzidos no Brasil, o que acabaria por estimular a importação de veículos prontos.
Com o mercado aquecido e o real valorizado, as importações crescem em ritmo acelerado. Segundo a Anfavea, o licenciamento de veículos importados bateu recorde em 2009. Foram mais de 314 mil unidades, o que significa um crescimento de 36% sobre o volume registrado em 2008. Cinco anos antes, em 2004, esse número foi de apenas 32 mil. Nesse período, a participação dos importados no total de licenciamentos cresceu de 2,5% para 12,5%.
Em contrapartida, as exportações perderam fôlego. No ano passado, o País embarcou pouco mais de 373 mil veículos, 33% menos que no ano anterior. Em relação a 2005, quando as vendas para o exterior bateram recorde, a queda é de 45%. Com isso, a balança comercial do setor sofreu forte deterioração. As associadas da Anfavea registraram em 2009 um déficit de 4,1 bilhões de dólares em suas transações com o exterior – o pior resultado da história. O número indica uma drástica reversão em relação aos anos anteriores. Entre 2004 e 2007, o setor registrou um superávit anual médio de 4,3 bilhões de dólares.
Em parte, o número precisa ser ponderado à luz da crise que afetou os importadores e ao fôlego da demanda brasileira. “Em 2010, o Brasil já observa uma tendência mais favorável. Devemos fechar o ano com exportações da ordem de 12 bilhões de dólares, ante 8,3 bilhões em 2009”, observa Beer. Contudo, a ascensão dos competidores asiáticos coloca um ponto de interrogação sobre o papel que o Brasil vai ocupar no mercado internacional nos próximos anos. O País terá condições de disputar mercados, ou deverá ser um importador?
Embora esteja alinhado com a tendência global, de privilegiar veículos mais leves e econômicos, o Brasil enfrenta uma situação curiosa. De um lado, ainda não produz carros com a sofisticação e a tecnologia necessárias para competir nos mercados maduros. Do outro, não é competitivo o bastante para brigar com China e Índia pelos segmentos de baixo custo. A indiana Tata Motors, por exemplo, tem planos de exportar o Nano para a América do Sul e África. Na Índia, o carro custa cerca de 2,5 mil dólares. É o mais barato do mundo. No Brasil, os chineses da EFA são vendidos por 24 mil reais, apesar de uma alíquota de 35% na importação. Em 2009, a importação de veículos asiáticos mais que dobrou, de 15,5 mil para 39 mil unidades. O crescimento foi puxado principalmente por carros sul-coreanos, de 11 mil para 36 mil unidades. “Montadoras como a Kia e a Hyundai adotam estratégias extremamente agressivas e têm obtido um expressivo crescimento no País”, observa Sanches.
O Brasil é de longe o país que mais tributa veículos em todo o mundo, segundo levantamento da Anfavea. Na média, o consumidor paga 30,4% em impostos na compra de um carro zero. No Japão, essa fatia é de 9,1%. “O Brasil não é um país de baixo custo, especialmente com o câmbio na faixa de 1,70 real. É preciso tomar medidas estruturais que aumentem essa competitividade”, afirma Cioffi. Segundo ele, as exportações brasileiras devem voltar a crescer nos próximos anos, mas não retornarão aos níveis observados antes da crise.
Extraído de cartacapital.com.br
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