quarta-feira, 27 de junho de 2012

Hidrelétricas: de solução a problema.

Vistas, em princípio, como uma solução limpa para o meio ambiente, principalmente baseada no fato de ser renovável, a energia gerada por hidroeletricidade agora começa a ser fortemente questionada pelos altos impactos sócio-ambientais que causa. 

Mesmo assim nosso país ainda insiste neste tipo de produção... Ta aí Belo Monte como exemplo... 

Assoreamentos dos rios, perda de áreas agricultáveis, perda de biodiversidade, remoção das populações ribeirinhas, eutrofização, prejuízo a eventos como a piracema são apenas alguns dos problemas que a construção de uma hidroelétrica causa. 

Mas, se você acha que Belo Monte é o primeiro erro grosseiro do nosso país em relação a construção de hidroelétrica... Dê uma pequena olhada nesse vídeo... 




Pois é, há tempos que o nosso país vem tomando essas "felizes decisões" em prol do bem estar da nação (?)... 

Seria Belo Monte uma Balbina 2 ? Possivelmente. Não no que tange ao abandono do projeto, mas sim na devastação que causará ao ambiente com sua implementação...

Aliás, é bom que fique bem claro que Belo Monte está sendo construída para abastecer a região Centro Sul do País... Quase nada da produção dessa energia será destinada a própria  região Norte, onde será montada a hidrelétrica... 

Mas, se uma energia desse porte é tão nociva ao ambiente, qual será a saída para essa questão ? Na verdade, não há saída e sim saídas... E todas elas podem ser utilizadas por nós... 

  • Primeiro temos que ter em mente que não iremos extinguir esse tipo de geração de energia... O que podemos fazer é reduzir o uso do mesmo por outros tipos de energia, especialmente as consideradas limpas ou sustentáveis... 
  • Utilização de energia eólica. Hoje em dia parece que apenas 10% de nossa energia produzida tem base nessa geração. Isso pode ser aumentado, principalmente se explorarmos os ventos alísios da Região Nordeste. Dependendo do aproveitamento, pode ser que esta região tenha sua matriz ou parte considerável de utilização energética baseada nesse tipo de energia (isso a longo prazo, claro). 
  • Outra solução que poderia contribuir para essa redução seria investir também na energia das marés, a maremotriz. Algo que o nosso país começou a fazer. Uma usina entrou em funcionamento e foi mostrada na Rio+20, mas, ainda esbarra na questão da tecnologia... (e eu espero de verdade que essa usina não seja apenas para mostrar que fizemos algo durante a Rio+20). 
  • Mais uma que conta ponto para essa redução é o investimento em energia solar. Mesmo que hoje em dia um painel solar tenha um alto custo, talvez ele possa ser reduzido se investirem em tecnologias que barateiem o seu custo, mas não piorem sua eficiência; bem como apostarem na produção dos painéis em escala industrial. 
  • Por último, mas não menos importante... Investir no combate ao desperdício da energia gerada pelas hidroelétricas em seu transporte pelas linhas de transmissão, permitindo assim um maior aproveitamento da energia gerada pelas hidrelétricas. 

As soluções são tantas quantos os problemas geradas pelas hidrelétricas que um dia foram vistas como um ato limpo de desenvolvimento e hoje se mostram o oposto disso. Saídas para contornar isso nós temos, mas temos a vontade política (livre de interesses de empresas do ramos do setor hidrelétrico que venham a interferir) para tal ? 



Em 22 de agosto de 1889, a água do rio Paraibuna girou pela primeira vez uma das duas turbinas importadas dos Estados Unidos compradas para a usina de Marmelos, na cidade mineira de Juiz de Fora. Naquele dia, eram gerados os primeiros watts-hora (Wh) de energia hidrelétrica da América Latina. A usina foi construída pelo industrial mineiro Bernardo Mascarenhas, que, ao visitar a Exposição Universal de 1878, em Paris, decidiu construir uma tecelagem que seria abastecida com energia de origem hidráulica. Meses depois de inaugurada, a primeira hidrelétrica brasileira passou a fornecer eletricidade para manter acesas 180 lâmpadas da iluminação pública de Juiz de Fora, antes alimentada a gás.
Dos primeiros 250 quilowatts de potência na usina Marmelos aos atuais 84.736 megawatts (MW) de capacidade hidrelétrica instalada no Brasil passaram-se mais de 120 anos e, apesar dos avanços tecnológicos e do tamanho das novas usinas, gerar eletricidade da água continua sendo basicamente igual: a força contida na correnteza dos rios movimenta uma turbina acoplada a um gerador, que transforma energia mecânica em elétrica.
Mas nunca na história deste país as hidrelétricas causaram tanta polêmica como agora. O centro da atual discussão é a construção da usina de Belo Monte, no Pará, a ser erguida às margens do rio Xingu. A obra, cujo preço é estimado em 32 bilhões de reais, deverá ser a terceira maior hidrelétrica do mundo – atrás apenas das de Três Gargantas, na China, e Itaipu, no Brasil – e criou dois times que lutam em campos opostos. No grupo dos especialistas, dos analistas econômicos e do próprio governo, apenas grandes hidrelétricas serão capazes de fornecer energia limpa e barata em escala suficiente para satisfazer a demanda crescente por luz elétrica no país. No time dos ecologistas e dos ativistas sociais, os ganhos são bem menores em comparação ao rastro de destruição que elas deixam para o meio ambiente, para as populações indígenas e para as comunidades ribeirinhas. Entre os dois pontos de vista, há um fato e um dilema: o Brasil é o país com o maior potencial hidrelétrico do mundo, com mais de 260 mil megawatts já catalogados. Apenas um terço disso é explorado. A riqueza dos rios brasileiros para geração de eletricidade é uma bênção da natureza ou uma maldição, que nos acompanhará por todo o século 21?
Poucos países no mundo desfrutam de um sistema hídrico tão generoso quanto o nosso. Os livros escolares apontam que 55.455 quilômetros quadrados (do total de 8.514.876 quilômetros quadrados que compõem a área do território brasileiro) estão cobertos por água, distribuídos em rios, lagos e riachos. É a abundância de rios e quedas-d’água que produz o enorme potencial de energia hidráulica. Hoje, estão em operação mais de 180 grandes usinas, responsáveis por quase 70% da produção nacional de energia elétrica. Isso também faz do país o segundo maior produtor de energia hidrelétrica no mundo, com 12% da geração mundial, perdendo apenas da China. Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia, outros 73 projetos hidrelétricos estão em construção, incluindo as pequenas centrais. E mais 24 estão programados até 2020. A lista de projetos deve atender à crescente demanda. Estima-se que até aquele ano o consumo no Brasil deva atingir 730 mil gigawatts-hora (GWh) – 52% a mais do que consumimos em 2011.
A imensa necessidade de energia é explicada pela expectativa de fortalecimento da economia brasileira. Nos últimos cinco anos, o país cresceu em média 4% ao ano, o que nos posicionou como a sexta maior economia do planeta. Um dos aspectos mais visíveis desse bom momento foi a ascensão de mais de 30 milhões de brasileiros à chamada nova classe média. Os consumidores emergentes não hesitam em comprar televisores, geladeiras, freezers, computadores, celulares e toda a sorte de eletrodomésticos – e, com isso, aumentam o consumo de luz.
Até 2020, o Brasil terá de ampliar a capacidade de geração dos atuais 115 mil megawatts para 171 mil megawatts. Para cumprir essa meta, o governo federal aposta na expansão de diferentes matrizes de produção. A geração de energia nuclear, que, no passado, era o alvo preferencial dos ecologistas, deverá crescer 70% com a entrada em operação da usina Angra 3, prevista para 2016. Os investimentos também serão generosos na promissora alternativa eólica. Mas, mesmo com essa diversificação e o aumento de capacidade de outras fontes, mais da metade da expansão energética se dará por meio das grandes hidrelétricas. Serão acrescidos ao sistema mais 30 mil megawatts – potência suficiente para abastecer as regiões Norte e Nordeste juntas. Para pânico dos ambientalistas, quase toda a nova capacidade instalada deverá ocorrer na região amazônica.
Em mais de um século de exploração hidrelétrica no Brasil, boa parte dos rios com potencial para gerar energia perto dos centros urbanos já foi utilizada. O Tietê, que corta o estado de São Paulo, foi fatiado por oito barragens, que o transformaram em uma sucessão de lagos. Com os maiores potenciais usados, a solução foi rumar em direção a regiões mais remotas. De acordo com os planos do governo, entre as dez maiores usinas planejadas para ser construídas entre 2016 e 2020, oito ficam na região Norte. Se saírem mesmo do papel, esses empreendimentos enfrentarão as mesmas limitações que o projeto de Belo Monte tem pela frente. A primeira delas é o regime hidrológico que reduz a geração durante a estiagem. Na época de chuvas, de março a maio, a usina irá produzir sua plena capacidade, de 11 182 mw. Nos nove meses restantes, a geração média será de 4.670 mw. No auge da seca em Altamira, a hidrelétrica do rio Xingu criará menos de 700 MW. No projeto original de Belo Monte (ainda sob o nome de Kararaô), datado dos anos 1980, a barragem tinha um reservatório de 1,5 mil quilômetros quadrados, mas a pressão dos ambientalistas o reduziu a um terço. Sem o lago para represar a água, a capacidade de geração também diminuiu. Diante desse impasse, muitos analistas defendem a lógica malthusiana: se era para fazer o mal, que fosse uma única vez. “É preciso ser pragmático. Não seria melhor ter preservado o reservatório do projeto original de Belo Monte e cancelar os demais projetos na Amazônia?”, questiona Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
Outro enorme desafio é a logística a ser criada para erguer uma obra dessa magnitude no meio da Amazônia. Todos os números de Belo Monte são grandiosos. Estima-se que 210 milhões de metros cúbicos de terra e de rocha serão escavados para a abertura dos dois canais da obra, volume similar ao movimentado durante a construção do canal do Panamá. No auge da construção, quase 3 mil tratores trabalharão simultaneamente. Serão necessários 3,7 milhões de metros cúbicos de concreto – o que daria para fazer 25 estádios do Maracanã. Mais de 143 mil toneladas de aço entrarão em Belo Monte, quantidade equivalente a 20 torres Eiffel. Tudo isso a 2 mil quilômetros dos polos de matéria-prima e no meio da Floresta Amazônica.
Esses números tornaram os empreendimentos cada vez mais caros e complicados. Por ora, o preço oficial da usina é de 28 bilhões de reais, mas há estimativas que acrescentam uns 4 bilhões de reais a esse valor. A maior preocupação dos analistas é que até agora as contas não fecham: a tarifa de Belo Monte foi calculada para um investimento de 19 bilhões de reais, com rentabilidade de 8% para quem estivesse disposto a construí-la.
No modelo brasileiro, a energia a ser gerada pelos futuros empreendimentos é vendida por meio de leilões para concessionárias e empresas que consomem muita eletricidade. É esse dinheiro que vai financiar a construção da usina. O consórcio que levou Belo Monte, a Norte Energia S/A, já entrou com um pedido de financiamento no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que deve cobrir parte da construção. Na atual matemática da obra, também não estão computadas as duas linhas de transmissão que conectarão a hidrelétrica à rede elétrica, que devem custar 8 bilhões de reais. Ainda assim, o governo garante que o projeto vale a pena em termos financeiros. “Apesar de todos os custos sociais, ambientais e construtivos, o preço da energia de Belo Monte é um dos mais baixos do Brasil”, diz Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética. “A energia hidrelétrica no Brasil ainda é muito barata.”
Um dos maiores gastos do projeto de Belo Monte é justamente o que vai tentar compensar os danos ambientais e sociais que a obra causará. Estima-se que serão gastos 3,2 bilhões de reais em ações de compensação e mitigação, previstas no licenciamento aprovado pelo Ibama – o estudo do impacto ambiental da obra tinha nada menos que 20 mil páginas. Entre as exigências do projeto está a indenização de 912 proprietários rurais, cujas terras – cerca de 108 mil hectares – serão afetadas. O consórcio responsável pela usina se comprometeu a fazer 100% do saneamento básico nas cidades no entorno da obra – além de entregar hospitais, postos de saúde e escolas. “Será o processo de compensação ambiental mais generoso visto no Brasil”, diz André Villas-Boas, coordenador do Programa Xingu, do Instituto Socioambiental (ISA). “E não será suficiente.”
Para os ambientalistas, os danos não se resumem às obras. Os polos urbanos que se formam em volta das grandes usinas no meio da floresta representam risco constante ao meio ambiente. Muitos dos trabalhadores que chegam para a construção permanecem na região. A reboque dos barrageiros, milhares de pessoas são atraídas para constituir pequenos negócios. As usinas de Jirau e Santo Antônio, ambas em Rondônia, são os exemplos mais recentes. Os dois empreendimentos mexeram com a vida de quem vive na capital Porto Velho. Entre 2008, data do início das obras, até 2010, a população da cidade aumentou 12,5%, agregando cerca de 40 mil pessoas a um lugar com infraestrutura precária. Faltam escolas e postos de saúde. O preço dos aluguéis disparou. Para muita gente, porém, as usinas trouxeram progresso. Pouco tempo depois de as obras de Jirau e Santo Antônio terem sido iniciadas, Porto Velho ganhou seu primeiro shopping center. Em Altamira, no Pará, cidade próxima ao local onde Belo Monte será construída, a estimativa é de que a população de 100 mil pessoas dobre até 2017, data prevista para a conclusão da obra. “Essas hidrelétricas estão definindo um novo modelo de ocupação da Amazônia”, diz Villas-Boas. “Mas o que acontecerá com esses lugares depois que elas estiverem prontas?”
A história das barragens brasileiras reúne tanto exemplos de sucesso como de fracasso na questão de desenvolvimento social. A usina de Itaipu, que abastece 17% do consumo geral de energia do Brasil, promoveu a remoção de mais de 40 mil pessoas ao longo dos sete anos de construção. E, para formar o lago da hidrelétrica, submergiu o conjunto de cachoeiras chamado Sete Quedas – um crime do ponto de vista ambiental. Ao mesmo tempo, a usina do rio Paraná alçou a cidade de Foz do Iguaçu à condição de polo regional. Em 1970, ela tinha uma população de 40 mil pessoas. Dez anos depois, chegou a 130 mil. Hoje com 256 mil pessoas, o município, em 2009, teve uma renda per capita de 20 613 reais, 25% superior à média da população brasileira.
Para evitar novas aglomerações urbanas no meio da floresta, o governo pretende criar as chamadas hidrelétricas-plataforma. As cinco hidrelétricas projetadas para o complexo do rio Tapajós seriam construídas segundo esse conceito. “O desafio nesse tipo de projeto é atrair o menor número possível de pessoas para a região e recompor a mata como era antes do início da construção”, diz Tolmasquim, da EPE.
Por mais tecnologia que seja empregada, qualquer grande empreendimento no meio da Amazônia alterará os ecossistemas terrestres e aquáticos. Teme-se que Belo Monte e outras usinas que venham a ser instaladas no Xingu (por ora, o governo afirma que Belo Monte será a única) possam impactar as cabeceiras do rio, que ficam no estado do Mato Grosso, a 1,8 mil quilômetros da obra. “O custo ecológico das hidrelétricas é muito alto”, diz Daniel Kammen, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley e ex-assessor do governo Obama para energias renováveis. “Ainda assim, o Brasil precisa de energia, bem como outros países em desenvolvimento.”
Na batalha entre os que estão contra as hidrelétricas e os que as defendem, os ambientalistas concordam em um ponto: elas não são tão inocentes quando o assunto é a emissão de gases de efeito estufa. Entre os defensores das barragens, já virou lugar-comum dizer que elas produzem energia limpa e ponto. Afinal, a água que entra de um lado da turbina sai do outro. Mas não é bem assim. Os primeiros dez anos de operação de uma hidrelétrica emitem tanto metano quanto uma termoelétrica movida a carvão (considerada altamente poluente). Ao longo do tempo, essa relação se inverte: para cada megawatt-hora de energia gerada em uma hidrelétrica, é emitida 0,02 tonelada de carbono – em uma térmica a carvão, 0,36. O pesquisador americano Philip Fearnside, professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, estuda há 40 anos os efeitos dos gases de efeito estufa nas barragens brasileiras. “A usina de Tucuruí, também no Pará, foi inaugurada em 1984. Seis anos depois, ela ainda emitia mais gases de efeito estufa que a cidade de São Paulo”, diz Fearnside. Mas talvez nenhuma hidrelétrica tenha causando tanto mal quanto a de Balbina, nos arredores de Manaus. Inaugurada em 1989, ela é o exemplo de tudo o que não se deve fazer na geração de energia hidráulica. Seu reservatório, de 2.360 quilômetros quadrados, é gigantesco se comparado a sua capacidade efetiva de gerar energia, de apenas 250 megawatts (o reservatório de Belo Monte será de 516 quilômetros quadrados). Pior: para a formação do lago de Balbina, a floresta que ali existia foi inundada, com árvores e tudo. O material orgânico depositado no fundo do lago passou a emitir grande quantidade de gases de efeito estufa. Um estudo sobre as emissões de Balbina mostrava que, mesmo 20 anos após a construção, a usina gerava dez vezes mais metano e gás carbônico que uma termelétrica movida a carvão. Isso ocorre porque no fundo dos reservatórios não há oxigênio, favorecendo a atividade das bactérias anaeróbias (justamente aquelas que dispensam oxigênio para a produção de toxinas). Quando a turbina da hidrelétrica puxa a água do fundo do reservatório, ela lança na atmosfera os gases poluentes. O efeito é semelhante ao se abrir uma garrafa de refrigerante.
Para os críticos das hidrelétricas, o custo social e ambiental desses projetos é inaceitável porque boa parte da nova energia a ser produzida no Brasil seria direcionada a grandes projetos industriais. Hoje, 20% de toda eletricidade utilizada no país vai para as companhias consideradas consumidoras intensivas de energia. São empresas de setores como papel e celulose, aço, alumínio, cobre, entre outros, nos quais um dos maiores custos de produção é o da energia. Boa parte da produção dessas indústrias segue para o exterior, sobretudo Estados Unidos, Europa e China. Os ambientalistas alegam que esses setores estão em ritmo acelerado de expansão e devem quase dobrar sua produção nos próximos dez anos, ampliando assim a necessidade por energia. “Não acho que o Brasil deva fechar as fábricas que consomem muito, como o Japão fez anteriormente. Mas temos de impedir o avanço crescente das indústrias eletrointensivas, que exportam energia em forma de produto para os países ricos”, diz o professor Célio Bermann, da Universidade de São Paulo, ferrenho crítico à expansão das hidrelétricas na Amazônia. Trata-se, portanto, de uma discussão não de modelo energético, mas de econômico. Os estudos do governo apontam que, ao contrário de demandar mais energia em 2020, os setores eletrointensivos iriam consumir menos, uma vez que alcançariam novos patamares de eficiência – uma visão que parece ser tão irrealista quanto imaginar que o governo abriria mão de novas indústrias para conservar energia.
Se algo pode realmente fazer a diferença nesse cenário é a eficiência energética. Tanto os críticos como aqueles que apoiam as grandes hidrelétricas concordam: o Brasil precisaria gerar bem menos energia nova se parasse de perder o que já produz. Os desperdícios começam na porta de qualquer usina e continuam no interior da casa dos consumidores. Pelas dimensões continentais do país, 16% do que é gerado no Brasil fica no meio do caminho. O transporte de energia envolve perdas técnicas, mas equipamentos e materiais defasados impõem um desperdício ainda maior. A perda aceitável seria de 8%. Outro ralo pelo qual milhares de megawatts-hora vão embora está dentro da casa dos brasileiros. Um estudo da organização WWF-Brasil mostra que, até 2020, geladeiras, chuveiros, lâmpadas e outros aparelhos residenciais consumirão mais de 170 milhões de megawatts-hora. Quase um terço disso poderia ser economizado se os eletrodomésticos tivessem mais eficiência – mais do que Belo Monte fará em geração de energia. Veja o caso das geladeiras. Por mais que os fabricantes brasileiros alardeiem que os refrigeradores são mais econômicos do que eram no passado (e são mesmo), os padrões de eficiência exigidos no Brasil são 15% inferiores aos da Califórnia – estado americano referência em conservação de energia e que adota regras rígidas desde os anos 1970. Lá, a obsessão por poupar eletricidade tornou o consumo per capita 40% menor que a média americana. Se o Brasil tivesse os mesmos padrões, só com geladeiras e freezers economizaria o equivalente ao consumo anual de uma cidade de 11 milhões de habitantes.
O desafio energético no Brasil tem ido muito além de megawatts ou gigawatts. Ele mira um número que aumenta a cada oito segundos. Nascem 361 brasileiros por hora – mais de 3 milhões de pessoas por ano. Em meio século, a população deverá atingir seu ápice, 250 milhões de habitantes, e depois deverá se estabilizar. “O consumo de energia tornou-se estável na Europa, onde a população parou de crescer”, diz o professor José Goldemberg, da USP. “No Brasil, antes de a demanda se estabilizar, ela irá crescer muito. Para isso, vamos precisar das hidrelétricas”, acrescenta.
Se o uso da água como fonte de energia é inexorável, a questão é saber como o país irá conduzir esse processo. No debate, o Brasil não está sozinho. O mundo todo tem discutido qual a melhor forma de usar os recursos naturais – sejam eles finitos, como o petróleo e os minerais, sejam renováveis, como a água.
Assim como o petróleo, as hidrelétricas geram riqueza e desenvolvimento. Mas podem também provocar desastres ambientais e desigualdade social. Dois exemplos mostram como uma riqueza natural abundante pode atingir resultados bem diferentes. A Nigéria, uma das maiores exportadoras de petróleo da África, é um exemplo de país que sofre a maldição do chamado ouro negro. Lá, os dólares da exploração do óleo enriqueceram uma elite econômica e política, a despeito de milhões de pessoas que vivem em extrema pobreza. Já a Noruega é um modelo, tanto em termos ambientais como no legado econômico que o petróleo terá para as futuras gerações. Com água, a situação é semelhante. Cabe ao Brasil escolher se deseja ser uma Nigéria ou uma Noruega na geração de energia elétrica.




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