terça-feira, 27 de outubro de 2009

Ainda sobre a crise

Ainda sobre a crise, podemos ver agora depois de todo o estardalhaço criado pela imprensa que a crise começa a mostrar o seu lado podre. Onde investimentos que poderiam ser usados para tantos outros fins bem melhores do que os que foram utilizados começam a se mostrar e com isso levantar novamente uma questão antes defendida por mim da inversão de valores que está ocorrendo no mundo... é lamentável pra não dizer coisa pior...


Miramos com curiosidade e temor o contracheque alheio. Tememos que a grana do vizinho seja mais verde que a nossa. Porém, quando nosso voyeurismo salarial se volta para os ganhos de superexecutivos, embotamos nossa inveja e somos tomados por escárnio e revolta. Mas quanto ganham os donos da montanha? Uma visita ao website www.equilar.com traz a resposta. Os números são de 2008.

Começamos pelas empresas industriais, aquelas que “produzem coisas”. No ano em questão, W. James McNerney Jr., da Boeing, levou para casa quase 15 milhões de dólares, mais da metade em bônus e ações. Pior sorte teve Jeffrey R. Immelt, da icônica General Electric: o contracheque do herdeiro de Jack Welch não chegou aos 6 milhões de dólares. Andrea Jung, da Avon, uma das raras mulheres do grupo, teve melhor sorte que os rapazes: ela recebeu mais de 20 milhões de dólares, porém, apenas 16% em salários e bônus.

Os executivos do setor financeiro tiveram momento turbulento. Kenneth D. Lewis, do Bank of America, ganhou apenas 9 milhões de dólares, dos quais somente 17% em salário. Seu bônus? Zero. Terá sido castigo pela compra da Merrill Lynch? Melhor sorte teve Vikram S. Pandit, do Citigroup, que ganhou mais de 38 milhões de dólares, 97% em ações e bônus. Como terá o Sr. Pandit pago a escola das crianças?

Os donos do setor de tecnologia tiveram sorte variada. Steve Jobs, fundador e número 1 da Apple, continua ganhando um dólar por ano, mas todos sabem que ele faz bicos por fora. Steven A. Ballmer, da Microsoft, teve um ano de penúria, ganhando pouco mais de 1 milhão de dólares. Salvou-o da indigência o pé-de-meia acumulado nos anos de vacas gordas: a bagatela de 11 bilhões de dólares. Lawrence J. Ellison, fundador e chefe da Oracle, ganhou de toda a turma e embolsou quase 85 milhões de dólares. Manter seus iates de competição e seu ego custa caro.

A central sindical norte-americana AFL-CIO aponta, em seu website, que a remuneração total média de um executivo-chefe de uma empresa pertencente ao grupo das 500 maiores dos Estados Unidos foi de 10,4 milhões de dólares, em 2008. No Brasil, não se divulga a remuneração dos indivíduos do topo da pirâmide, mas é possível saber a remuneração total das diretorias de algumas empresas. Em entrevista recente concedida ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, citou alguns números. Segundo ele, em 2007, os dirigentes do Itaú ganharam 244 milhões de reais; os da Gerdau, 59 milhões de reais; e os da Perdigão, 14 milhões de reais. Gabrielli defendia os aumentos salariais concedidos a dirigentes da própria Petrobras, argumentando que o valor pago aos dirigentes da empresa era modesto, se comparado aos seus pares das empresas privadas, com um total pouco acima de 7 milhões de reais. Realmente, é de dar pena.

Consta que os executivos brasileiros são os mais bem remunerados da América Latina. Significativamente, vem crescendo no País o número de profissionais que recebem mais de 1 milhão de reais por ano, e não são poucos os que já embolsam mais de 5 milhões de reais por ano. Em relação aos Estados Unidos, o Brasil apresenta algumas peculiaridades. Primeiro, a parcela de remuneração variável, atrelada ao desempenho, ainda é pequena. Segundo, a distância entre salários no topo e no restante da pirâmide continua enorme.

Estudos apontam que, em qualquer latitude ou longitude, os salários no topo sobem ano após ano: maior o valor da empresa, maior o salário de seus executivos. No entanto, a recente crise fez crescer a percepção de que alguns executivos ganham muito mais do que valem, faturando alto mesmo quando suas empresas perdem dinheiro. Sensível aos clamores populares, o presidente norte-americano Barack Obama introduziu limites à remuneração de empresas ajudadas pelo governo. De olho nas empresas do setor financeiro, o presidente francês Nicolas Sarkozy vem patrocinando um sistema de bonus-malus (bom e mau, em latim), que pretende vincular os incentivos financeiros aos ganhos e às perdas. São medidas de efetividade questionável, provavelmente uma gota no oceano de uma reforma sistêmica maior, que parece não decolar.

Com ou sem crise, os salários estelares permanecerão, a sinalizar o norte para a legião de peregrinos que sonham com o olimpo organizacional, mesmo que jamais o atinjam. Permanecerão também como comprovação de que o sistema é solidamente fundado na ganância individual. Já sabemos que não é possível eliminar o vício, sob o risco de destruir o viciado e o hospital, mas é preciso controlá-lo com bons sistemas de governança e de controle de riscos.

Extraído de cartacapital.com.br

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