quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Reconhecimento ainda que tardio

Foi inaugurado na Alemanha mais um monumento em homenagem aos "desertores" do exército nazista. Na minha opinião uma homenagem justa aqueles que se recusaram a participar desta carnificina descerebrada que foi o regime nazista. Desrtores não, com toda certeza eles foram HERÓIS!




Quando se recusou a matar um civil russo em Vinitza, na Ucrânia, em 1944, Peter Rosellen deve ter mantido a mesma postura rígida que assumiu agora, escondendo o sorriso e posando para uma foto no centro da cidade alemã de Colônia. “Atire você!”, respondeu, na ocasião, ao oficial da Wehrmacht, o exército de Adolf Hitler.

Mas a primeira condenação à morte pela Justiça Militar nazista só veio meses depois, quando a tropa da qual Rosellen fazia parte foi assaltada por guerrilheiros na Polônia. O ex-soldado conta que foi incluído na lista de traidores da pátria por não enfrentar, com a sede de sangue determinada pelo Führer, o movimento de resistência polonês, que infligiu importantes derrotas aos nazistas.

A pena de morte de Rosellen foi amenizada para quinze anos de prisão. O então garoto de 19 anos fugiu a caminho do cárcere. Preso novamente por deserção, foi transferido várias vezes até chegar à prisão de Torgau (leste da Alemanha), sede de um presídio da Wehrmacht. A segunda pena de morte de Rosellen foi transformada em um teste para ver se o desertor poderia ser reintegrado. Ele foi enviado a Praga – e fugiu novamente no caminho. Chegou a Karlsbad (sudoeste) escondido a bordo de um caminhão. De lá, roubou uma bicicleta – e pedalou 600 quilômetros até chegar a Colônia (noroeste), sua cidade natal.

Na terça-feira 1º de setembro, exatamente 70 anos depois do início da Segunda Guerra Mundial, Rosellen enfrentou a chuva de verão no centro de Colônia para prestigiar a inauguração de um memorial em homenagem aos desertores da Wehrmacht. Ao longo de 8 metros, pilares de alumínio sustentam um telhado de letras coloridas, que formam a frase aparentemente interminável a 3 metros do solo:Homenagem aos soldados que se recusaram a atirar nos soldados que se recusaram a atirar (...) nas pessoas que se recusaram a matar...
A obra chama pouca atenção na saída do metrô Appellhofplatz, próxima ao centro de Colônia. O artista suíço Ruedi Baur, que desenhou o sistema de orientação dos visitantes no Centre Pompidou, em Paris, queria que o memorial se integrasse à paisagem do cruzamento, surpreendendo assim os transeuntes curiosos. A localização é simbólica: fica do outro lado da rua do Centro de Documentação do Nazismo de Colônia. A Gestapo, polícia política de Hitler, torturava desertores e outros detentos no porão do prédio, hoje aberto a visitantes.

Colônia é a primeira cidade da Alemanha a financiar uma homenagem aos cidadãos que se recusaram a executar as ordens militares nazistas. Existem dezesseis monumentos desse tipo no país, mas, por causa da polêmica em torno dos “traidores”, a maioria foi erguida em propriedades privadas ou terrenos de igrejas. A execução do projeto custou 80 mil euros.

Aos 84 anos, Peter Rosellen acha que um monumento desses tardou a ser erguido. Durante a cerimônia de inauguração, ele ficou sentado em um palco diante do Centro de Documentação do Nazismo. Dezenas de pessoas abriram guarda-chuvas para assistir aos discursos de uma subprefeita de Colônia e de outras personalidades locais. Mas não vieram para ver os políticos. Tampouco Rosellen é a estrela da noite. O discurso mais aguardado é o de Ludwig Baumann.

O fundador da chamada União Nacional das Vítimas da Justiça Militar Nazista verifica o celular, ajeita o aparelho de audição e os óculos quadrados. Chega perto do microfone. Já contou a sua história centenas de vezes e repete, quase de cor, o testemunho publicado no website do Centro de Documentação do Nazismo, entre outros. “Meu amigo Kurt Oldenburg e eu fugimos do exército em 1942. Fomos presos na fronteira francesa e condenados à morte em Bordeaux. Nos torturaram durante o interrogatório e na cela da morte, porque não revelamos os nomes dos amigos franceses que nos ajudaram.”

A sentença de morte de Baumann foi anulada depois de sete semanas de martírio, mas o desertor não ficou sabendo por não ter denunciado os amigos. Ficou dez meses preso, esperando para morrer. “Fui amarrado nas mãos e nos pés, e a cada troca de guarda achava que iam nos tirar dali. Foi um terror, um trauma que me persegue até hoje.” Ele mergulhou no alcoolismo depois do fim da Guerra.

Faz tempo que Baumann luta pelo reconhecimento dos desertores como vítimas do regime nazista. Em 1990, fundou a União das Vítimas em Bremen (norte), onde mora. A sede da associação é o seu apartamento. “A deserção sempre tem uma conotação negativa, isso fica no seu registro para sempre. Por muito tempo, fomos discriminados, até ameaçados. Não tínhamos dignidade. E não dá para viver sem dignidade. Também demorou até que pudéssemos fundar a associação. Éramos 37 velhos, havia uma mulher, éramos muito frágeis, estávamos acabados”, afirma.

Para a imprensa alemã, as autoridades políticas e em discursos formais, o senhor de 88 anos repete que o memorial em Colônia é um sonho realizado tardiamente. Como a anulação das sentenças proferidas pela Justiça Militar nazista para os desertores. Em 2002, o Bundestag (Parlamento alemão) aprovou uma lei que invalidou, de forma geral, os veredictos dos tribunais nazistas, considerados injustos. Uma vitória para o empenho de Baumann... A má notícia, no entanto, é que os deputados não anularam as condenações pela chamada “traição da guerra” dos desertores – um grupo que inclui Baumann. “E isso, apesar de dois terços das sentenças serem ‘nossas’. Mais de 30 mil sentenças de morte foram proferidas, 20 mil delas foram executadas. E há mais de 100 mil desertores que não sobreviveram aos campos de concentração”, enumera o ex-soldado.

Baumann rebate o argumento da política, de que perdoar desertores desmoraliza a tarefa de defesa da Bundeswehr, o exército alemão fundado após a Segunda Guerra Mundial. Ele também atualiza a questão, citando a controversa presença de soldados alemães no Afeganistão – uma missão que, na origem, não tinha fins de combate. “O que estamos procurando lá, o que significa ‘defender os nossos interesses militares no Afeganistão’?” Baumann é aplaudido pela plateia, que vai fechando os guarda-chuvas.

Na terça-feira 8, o “desertor” poderá realizar mais um sonho tardio. O Bundestag deverá anular as sentenças para os chamados “traidores da guerra”. Uma vitória agridoce. “Sou o último sobrevivente da associação que eu criei. Os outros não viveram para ver isso.”



Matéria extraída de cartacapital.com.br

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