segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Questões para o nosso futuro

A entrevista abaixo revela pontos interessantes colocados por um professor da UFRJ sobre o futuro de nosso país, principalmente no tocante a questão do que nos falta para deixarmos de ser um país semi-periférico (ou emergente, como queiram) para nos tornamos um país central.
Realmente, é o tipo de questão que não quer calar, mas acho que todos concordam que o início dessa resposta está principalmente na questão da distribuição de renda em nosso país... 

Antonio dias Leite, 93 anos de vida e, grande parte deles, de preocupação com o País, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, investigou a distância que separa o país emergente de um país rico. Para isso escreveu Brasil, País Rico – O que ainda falta (Campus), no qual abandona os rigores da Academia – gráficos, tabelas, quadros – em favor da simplicidade. Ele elenca, com clareza e didática, as principais controvérsias “em torno do futuro do País”. Da simplicidade nasceu um texto limpo, acessível e esclarecedor, ao alcance do público e não só dos seus pares.

Dias Leite foi em busca das contradições armadas pelos obstáculos de sociedades emergentes. De certa forma, uma antiga e saborosa máxima, a do cobertor curto, explica melhor: se o cobertor do pobre for puxado para cobrir a cabeça descobrirá inevitavelmente o pé.
“Um exercício aritmético”, ele mostra no livro, “indica que seriam necessários 35 anos em uma trajetória de crescimento de 3% anuais.” Com o crescimento maior, o tempo seria menor. Eis os principais trechos da entrevista.
CartaCapital: O que é um país rico?
Dias Leite: O título remete à convicção de que o Brasil está numa posição de relevo no mundo. Fundido isso com o fato de ele ser rico. Mas a riqueza tem de ser expressa pelas condições de vida da população. Um país pode ser capaz de realizar grande produção de bens e serviços e não ser rico. É o caso em que nós estamos. Crescemos no total do que produzimos, mas não nos tornamos um país rico no sentido de que a população está num nível de bem-estar social.

CC: Quais seriam os maiores obstáculos para chegar lá?
DL: Eu me concentrei muito nas contradições entre os objetivos perseguidos e, menos, nos obstáculos. O que interessa a um objetivo é um obstáculo para alcançar outro. O problema é, portanto, o de conciliar. Nesse contexto, o obstáculo principal é o nosso atraso na educação. Infelizmente a recuperação no domínio da educação é a de mais longo tempo de maturação que conhecemos. Esse primeiro obstáculo impõe limitação à velocidade com que se pode crescer.

CC: E além dessa contradição no objetivo educação?
DL: Às vezes alcançar um objetivo significa abandonar outro. Temos um problema político-institucional. O Brasil nunca conseguiu chegar a uma estrutura de Estado aceitável. Ao contrário, a situação se deteriorou nos últimos anos. Então, a possibilidade de definição de uma estratégia nacional focada em vencer os obstáculos que se apresentam de várias naturezas encontra uma dificuldade na sua própria formulação. Recentemente, com a proliferação de ministérios, essa tarefa se tornou mais difícil dada a dispersão que se deu na estrutura administrativa.

CC: Tudo isso não se enrosca na falta de um projeto nacional?
DL: Há duas coisas a distinguir. Uma é a não definição desse projeto. Já houve tempo em que tivemos a definição de projetos nacionais.

CC: Quando?
DL: O projeto de desenvolvimentismo de JK dava uma diretriz ao País. Ultimamente, há muitas críticas aos projetos que foram feitos. É possível criticar as opções feitas. Elas, no entanto, davam uma diretriz ao País.

CC: Getúlio Vargas teve um projeto?
DL: Vargas deu um passo na administração pública do Brasil, a contar da proclamação à revolução de 1930. Um passo de 40 anos. Ele fez uma reforma administrativa. Depois dele os militares fizeram uma e, posteriormente, Fernando Henrique fez outra. Todas diferentes entre si. A partir daí não houve andamento. Estamos falando de iniciativas que não configuram uma estratégia nacional. Há uma estrutura inapta para promover um desenvolvimento estratégico. É preciso mencionar também o exagero ao poder construtivo de regras pormenorizadas para as atividades individuais e coletivas, sem atribuir equivalente importância à sua efetividade.

CC: Na prática esse excesso produz o quê?
DL: A complexidade da regulamentação resultante induz inclusive à fuga dos pequenos empreendedores para operações informais e até ilegais. Além de prejudicar o processo de crescimento econômico do País, a informalidade cria condições para a generalização da corrupção, que vai se tornando endêmica.

CC: Há diferença entre um país rico e um país rico e poderoso?
DL: Existe. Rico e poderoso é um passo adiante.

CC: Esse passo à frente se daria com o domínio da energia nuclear?
DL: Seria interessante pensarmos na posição do Irã…

CC: Não seria importante para um país se tornar poderoso?
DL: Não vejo interesse na sociedade brasileira por esta natureza de poder.

CC: Em que medida a crise mundial pode dificultar a ascensão do Brasil à condição de país rico?
DL: Acho que a dificuldade principal está na decisão de tomar, simultaneamente, medidas de longo prazo que interessam ao desenvolvimento completo do País e as de curto prazo para fazer frente aos reflexos do que acontece no mundo. Aí está de novo uma contradição entre o curto e o longo prazo. Um grande defeito dos escritos econômicos é o de ignorar a variável tempo.

CC: Essa seria mais uma contradição?
DL: Ninguém sabe exatamente o que é “curto” e o que é “longo”. Para o mundo financeiro o curto prazo é uma semana, o longo prazo é um mês.

CC: Essa crise projetou mais a importância do papel do Estado nos países emergentes. Como o senhor avalia isso?
DL: A presença do Estado no Brasil sempre foi muito forte. Houve momentos em que ele ficou dentro de limites razoáveis, mas, em outros momentos, se envolveu em coisas desnecessárias.

CC: Nessa crise não teria faltado, nos países ricos, a “mão” do Estado?
DL: A crise decorre de uma evolução no sentido de dar agilidade a mecanismos de movimentação de fundos para o investimento e para outros fins. Essa agilidade, conjugada a uma redução de regulamentos e regras, avançou a uma imprudência impressionante, como se verifica hoje. Não se pode conceber que tenha sido feita a loucura como a questão das hipotecas, nos Estados Unidos.

CC: A situação não sugere que certos casos exigem freios e outros, algemas?
DL: Isso mesmo. É impressionante que as discussões mundiais sobre o assunto da economia real continuem em plano secundário. A preocupação resume-se em como sustentar o sistema financeiro existente. Esse caminho desconhece que dois terços da humanidade precisam de crescimento. Há o esquecimento de que esses dois terços estão passando fome. De certa forma, essa é a visão do FMI.

CC: O Brasil não entrou nesse caminho?
DL: Sua pergunta remete às contradições. No Brasil, o interesse está voltado para a eliminação da miséria e a distribuição de renda. Esse é o objetivo prioritário. Há, porém, uma nítida contradição entre esse objetivo e o objetivo de sua pergunta sobre a proteção à nossa soberania. As Forças Armadas estão à míngua.

CC: É uma boa opção, não?
DL: É um mérito. Surgiu, felizmente, um político comprometido com a eliminação da miséria e a redução da desigualdade. Esse caminho, no entanto, estabelece contradições em países emergentes.

CC: É possível pensar que essa crise econômica de agora prenuncia o fim do capitalismo financeiro ou, pelo menos, restrições?
DL: Tenho muitas diferenças com o mundo financeiro. Tenho horror dele. O impressionante, nessas discussões mundiais, é que o assunto da economia real continua em plano secundário.

CC: A preocupação tem sido a de sustentar esse sistema financeiro?
DL: Sim. É só isso. Um desses economistas, ex-chefe do FMI, discute a questão do crescimento como se dois terços da humanidade não precisassem de crescimento. Essa história de esquecer o crescimento não leva em conta que dois terços da humanidade passam fome. Imagine que um homem desses foi economista-chefe do FMI. É preciso fazer o dever da “nossa casa”, mas é fundamental considerar que existem outras casas.





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