domingo, 12 de setembro de 2010

Entra a Cruz e a Espada

Sempre baseada na extração do recursos naturais e no agronegócio a  economia da Bolívia agora se encontra entre a cruz e a espada numa questão difícil de ser resolvida: Incentivar o crescimento econômico mas sem esgotar suas reservas de recursos e sem impactos de larga escala ao meio-ambiente; e isso tudo passando por enormes obstáculos para realizar tal feito.


Junte o forte crescimento da economia boliviana sob o governo Evo Morales com a integração continental rumo ao Pacífico. Acrescente a necessidade brasileira por mais energia, também por conta do crescimento econômico. São boas notícias que trazem um novo problema: conciliar a necessidade da realização de obras de infraestrutura na Amazônia boliviana com a preservação ambiental e um maior equilíbrio social.
A expansão territória da atividade econômica da Bolívia foi debatida no seminário “Ordenamento Territorial Boliviano: questões agrárias, econômicas e sociais”, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP (Universidade de São Paulo). Os debatedores comentaram como essa conjuntura continental, que inclui também a pressão por novas terras para a criação de gado pelo agronegócio, afeta a Bolívia.
A gestão dos recursos naturais e o conflito com a autonomia conquistada pelos povos indígenas é outra marca da questão fundiária boliviana. Essa disputa é reflexo do aumento do número de obras de infraestrutura no país. Na província de Santa Cruz, há pressão para acelerar a exploração de gás natural. Na chamada Amazônia boliviana, acontecem as obras do complexo de hidrelétricas do Rio Madeira, em conjunto om o Brasil.
De acordo com Suzana Lourenço, engenheira florestal e mestranda do Programa de Integração da América Latina da USP (Prolam), “grande parte das obras realizadas na região estão localizadas sobre reservas de recursos naturais”. Segundo ela, a estrutura governamental boliviana enfraquece o poder do Ministério do Meio Ambiente local, que tem dificuldades para frear obras que podem gerar graves danos ambientais.
A legislação boliviana, explica Lourenoço, permite que outros seis ministérios autorizem a realização de obras, e o MMA do país muitas vezes acaba apenas homologando as obras. A pressão pela exploração dos recursos naturais é especialmente forte no país, que é economicamente dependente dessas exportações.
Segundo Juliana Dal Piva, jornalista e autora do livro Em Luta pela Terra sem Mal, que aborda a escravidão dos índios guaranis na região do Chaco boliviano, a ascensão de Evo Morales ao poder (Evo assumiu a presidência em janeiro de 2006) deu respaldo institucional a um processo de maior conscientização das populações indígenas.
Exploração – Em 2009, a jornalista catarinense esteve na região do Chaco boliviano para reportar as condições de trabalho dos guaranis naquela região. Muitos desses trabalhadores viviam em condições semelhantes à escravidão, explorados pelos produtores agropecuários locais. “Em muitas fazendas, não há documentos comprovando os pagamentos aos trabalhadores ou mesmo o registro trabalhista dessas pessoas”, diz Dal Piva.
A partir de 2008, o governo começou a regularizar os registros das fazendas e, nesse processo, encontrou indícios da exploração, conta Dal Piva. “Junto com a parca documentação existente, os fiscais encontravam cadernetas com as dívidas dos trabalhadores com os fazendeiros. Muitos proprietários, para fugir das denúncias de trabalho escravo, faziam contribuições previdenciárias e de seguro-saúde para os trabalhadores.” Esses gastos, contudo, eram transformados em dívida dos trabalhadores para com os patrões, e anotados nas “cadernetas” que os amarram às propriedades.
Heloisa Gimenez, pesquisadora na área de Relações Internacionais e também mestranda do Prolam, relaciona a exploração dos recursos bolivianos e a questão de terras a um processo geopolítico maior. Para Heloisa, “há influência do Brasil no agronegócio do país vizinho, e as obras de infra-estrutura devem ser pensadas no contexto da integração continental e da ascensão da União das Nações Sulamericanas (Unasul)”.
Divisão nacional – De acordo ela, “para entender a questão fundiária boliviana precisamos analisar como a economia boliviana se desenvolveu nos últimos 50 anos”. Oitenta porcento dos recursos obtidos pela Bolívia com exportações vinham do estanho. “Em 1952, acontece a Revolução Nacional e, no ano seguinte, começa uma reforma agrária. A Bolívia é o único país sul-americano a redistribuir suas terras”, diz Gimenez.
Esse processo “dividiu” a Bolívia, explica: “As terras do oeste do país e do altiplano ficaram com pequenos produtores e com a agricultura de subsistência. Já as terras do leste do país – principalmente na província de Santa Cruz – foram destinadas ao agronegócio. Por causa dessa escolha, as obras de infraestrutura foram feitas nessa região, para facilitar a exportação para o Brasil e a Argentina.”
No entanto, somente nos anos 1980, o agronegócio boliviano ganhou impulso, com a chegada de brasileiros, japoneses e imigrantes do Leste Europeu. A fragilidade da economia boliviana, a pouca disponibilidade de terras agriculturáveis e a necessidade de capital eram as dificuldades encontradas. De acordo com Gimenez, “a chegada dos estrangeiros foi crucial para acelerar o desenvolvimento do agronegócio na Bolívia”.
Gimenez aponta um dilema a ser resolvido na questão fundiária boliviana: em 2006, o presidente Evo Morales assinou um decreto para reversão da posse da terra em casos de escravidão e não cumprimento do seu uso econômico-social (terra improdutiva). “No entanto, a Bolívia faz uma opção pelo desenvolvimento baseado na exploração de recursos naturais e exportação de produtos agrícolas. Isso só faz aumentar a concentração de terras”, diz.
A lei agrária boliviana limita a propriedade da terra a 5 mil hectares. Mas o decreto não é retroativo, diz Gimenez. Isso dificulta o combate à concentração de terras, pois os latifundiários usam “laranjas” para comprar terrenos vizinhos sem caracterizar latifúndio, explica. “Será difícil para o governo central achar uma solução adequada para essa questão”, concluiu ela.


Extraído de cartacapital.com.br 

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